quarta-feira, 25 de maio de 2016

The 100 - Terceira Temporada

A terceira temporada de The 100 chegou ao fim na semana passada e, depois de todo o turbilhão, consegui escrever algumas palavras para expressar o que eu achei dela. Contudo, não irei me ater aqui à produção impecável ou ao elenco cujas atuações melhoram a cada episódio. Resolvi focar na trama porque há muitas coisas que eu percebi durante a temporada e queria dividir, já que outras pessoas podem não ter enxergado da mesma forma ou tenham visões diferentes.
PS: Esse texto CONTÉM SPOILER sobre TODA A TERCEIRA TEMPORADA.
The 100 é uma história sobre sobrevivência, com foco nos Sky People (os que vieram do céu). É gratificante encerrar a terceira temporada vendo a evolução da trama. Na primeira temporada, os Sky People chegaram na Terra e tiveram que lidar com os Grounders (povo que sobreviveu à radiação e nasceu na Terra) e acabou que conseguiram vencer essa batalha. Na segunda, a rivalidade continuou, apesar do esforço de parte dos Sky People em tentar uma trégua. Em meio a isso, os dois povos encontraram um inimigo em comum: os Mountain Men (homens da montanha). Com uma parceria e uma traição por parte dos Grounders, os Sky People tiveram que eliminar sozinhos os Mountain Men para tentarem viver a vida em paz. Na terceira, enfim, os Sky People conseguiram encontrar um equilíbrio e viver em paz com os Grounders, tendo a Heda (poder máximo do grupo) como grande aliada. Porém, a própria ignorância de alguns Sky People fez a faísca da intolerância que cerca os dois grupos voltar a se acender.
A escolha da temática da temporada foi bem acertada porque apenas um poder acima da capacidade humana seria capaz de unificar os dois povos em apenas um. Alie (inteligência artificial e “vilã” da história) tinha tantos recursos e oferecia um perigo tão grande e desproporcional que ela, de certa forma, acabou ligando os dois povos não pela necessidade de sobrevivência, mas por todos se reconhecerem como humanos e serem opostos a um programa de computador. As consequências de toda essa trama para a próxima temporada devem ser grandes, já que a própria Clarke, conhecida como WanHeda e líder dos Sky People foi a última Heda e salvou todos da dominação. Isso será bem importante para ela conseguir unificar todo mundo em busca de uma solução para salvar a Terra da destruição iminente.
A primeira parte da temporada se concentra em duas tramas políticas: em Polis, com o enfraquecimento político da Heda, que está ligado ao fato dela estar conectada diretamente aos Sky People e querer paz, ao invés da máxima Grounder "jus drein jus daun" (sangue se paga com sangue); e em Arkadia, com o totalitarismo de Pike sendo alimentado pela cegueira do ódio, após um ataque terrorista. Quase um Brasil pós-apocalíptico. Essa trama foi bem interessante porque mudou a perspectiva em dois campos. Os Grounders, que eram seres considerados irracionais e que na presença estranha dos Sky People atacaram, agora, agiram mais racionalmente e obedeceram a líder, mesmo que discordassem da posição, ao proteger os Sky People. Em contra-partida, os Sky People que sempre se colocaram como mais evoluídos por conta da formação na Arca, agiram irracionalmente ao atacar pessoas indefesas que estavam apenas protegendo os próprios.
Ainda em Arkadia, Abby e Marcus que sempre foram símbolos de poder e totalitarismo da Arca, perderam o poder para Pike e tiveram que pagar o preço da democracia. Além disso, os próprios orquestraram uma rebelião contra o governo e sofreram represálias por causa disso. É bem interessante ver essa temática sendo explorada até pela evolução dos personagens. Eles conseguem enxergar como o poder é capaz de cegar alguém e o colocar em um ponto onde não há racionalidade para decidir o certo ou o errado. Além, é claro, de ver como o povo, em geral, se comporta em meio ao medo e ao caos. Basta uma crise para que um salvador extremista seja abraçado como a solução para o grande problema.
O melhor disso tudo é que as duas histórias acabam desencadeando um evento que não mudou apenas a dinâmica da temporada, mas da série: a morte de Lexa. Não vou entrar aqui no mérito de queerbait ou se havia outros caminhos pra Lexa continuar na história mesmo a atriz estando em outra série, etc. Enfim, para a história, por mais que a forma que ela morreu tenha sido ridícula para a personagem, a morte dela foi um fator revolucionário. Aliás, o fatídico episódio sete, pra mim, foi um dos melhores da série porque explicou muito da mitologia Grounder e o que desencadeou tudo o que estamos acompanhando na série. À partir daí, para mim, a temporada foi ficando cada vez melhor.
O que deixou tudo ainda melhor foi o quanto a história da terceira temporada se conectou com as outras, da mesma forma que toda a história de Mount Weather se conectou com a primeira temporada. Parece que desde o início tudo foi milimetricamente pensado: Há rumores de que Polaris, a décima terceira estação, era da Alemanha e se repararmos na língua Grounder, podemos perceber uma proximidade com o alemão. Ainda mais por Bekka PramHeda ser a primeira comandante dos Grounders e parte do sobrenome dela (Heda) servir como “comandante” na língua deles, algo bem comum no alemão, como Schneider, que quer dizer alfaiate em alemão, por exemplo.
Além disso, toda a questão da “reencarnação tecnológica” foi muito bem estruturada. O fato das Hedas terem suas mentes digitalizadas pra dentro de um chip e isso ser passado de geração à geração para aprimorar o conhecimento da atual é algo surpreendentemente incrível e que me ganhou completamente. Isso somado ao fato de que os Grounders se comportam como se fossem homens das cavernas foi a cereja do bolo porque eles usam a ciência para exercer cegamente a “religião” que eles criaram. São paradoxos que, se analisados calmamente, trazem uma boa questão para pensar.
A história sobre uma inteligência artificial, que odeia os humanos e quer acabar com eles, pode parecer clichê, mas The 100 consegue trilhar um outro caminho para abordar um tema cada vez mais recorrente no entretenimento. No começo, descobrimos que Alie achava que o maior problema da humanidade era a superpopulação e desconfiamos, eu, pelo menos, que ela foi a responsável pelas bombas nucleares que acabaram com a Terra, fato que foi confirmado mais pra frente.
O diferencial, no entanto, ficou com a Alie 2.0 que estabelece os limites da inteligência artificial e a inteligência humana. A Alie é aquele ser lógico e direto que já estamos acostumados em obras de ficção científica, mas a segunda versão vai além disso. Becca reconhece que a inteligência artificial nunca conseguirá chegar no mesmo nível que a inteligência humana e, por isso, cria uma espécie de chip simbiótico. Assim, cria-se uma espécie de ser humano mais desenvolvido, aliando a emoção humana à inteligência lógica da programação. Esse é um prato cheio para quem gosta de tecnologia porque um dos grandes problemas que a inteligência artificial enfrenta até hoje é tentar fazer com que máquinas tenham emoções humanas para conseguirem nos compreender. A fusão humano e computador, entretanto, vai na contra-mão da tendência mundial onde a tecnologia está cada vez menos à mercê do humano e cada vez mais autônoma. A Alie 2.0 foi muito bem pensada nesse sentido e percebemos o quanto a escolha foi acertada já que, querendo ou não, conduziu bem os Grounders até agora.
Por mais que Alie seja um pouco clichê, há méritos na criação da personagem que eu achei geniais. Ela opera basicamente como a internet ou uma rede social, por exemplo. Ao dar a chave de um novo mundo para uma pessoa, ela cria um avatar da mesma no mundo virtual, onde ela tem o completo domínio. Ela sabe o que a pessoa gosta, onde a pessoa vai, o que ela ouve e vê. Ao mesmo tempo, temos toda a questão da limitação da dor e de como na internet todos são super felizes. Ao longo da segunda parte da temporada, Alie usa as pessoas como uma rede de conhecimento, buscando as conexões que cada um tem para atingir os objetivos dela, algo que pode ser comparado a um site de busca, como o Google.
A Cidade da Luz tem um pouco de Mount Weather, um lugar de escape, especialmente para os Sky People que basicamente só sofreram desde que chegaram na Terra. Porém, muito pior do que tentar pegar o sangue ou a medula, a Cidade da Luz tira a humanidade das pessoas. Ela tira a dor, mas, no processo, leva junto as lembranças e acontecimentos que servem como aprendizado para os humanos. Diferente da Matrix, por exemplo, que simulava a vida real o mais próximo possível, a Cidade da Luz cria uma utopia para os seres humanos se sentirem confortáveis o bastante para ficarem ali e se deixarem levar. Tudo fica mais interessante quando pegamos a figura de Jaha, maior responsável por levar a palavra de Alie adiante. Ele e Pike são dois extremistas cegos, mas com pontos de vista diferentes. Enquanto Pike ganha força através do medo das pessoas e é visto como solução por causa da força e violência, Jaha vai pelo caminho da esperança que o ser humano tem e dá como solução um lugar com paz e sem dor. Eu já disse que parece o Brasil pós-apocalíptico?
Para finalizar com chave de ouro, tivemos Perverse Instantiation - Part Two, que eu só não fiz review porque eu já ia fazer a análise da temporada completa. Primeiro: eu tinha previsto a transfusão há semanas, mas mesmo assim vendo aquilo se concretizar foi algo muito surpreendente, ainda mais porque eles estavam em um lugar fechado e com poucos recursos. O roteiro deu uma forçada que a Abby tinha o material necessário ali para fazer aquele procedimento? Deu, MAS o que compensou foi o desafio durante o processo. Eu achava que eles iriam fazer a transfusão super de boa. Quando a Clarke começou a passar mal eu fiquei muito chocado e bati palmas quando a Abby decidiu abrir o peito da Ontari e pulsar o coração dela com a mão. Isso que nos faz aproximar da série: por mais chocantes e violentas que as coisas possam ser, a série tem o pé no chão e o cuidado de mostrar algo crível com todos os seus níveis de complexidade. Por isso, foi muito importante que o grupo vencesse apenas nos 45 do segundo do tempo. Lidar com uma inteligência artificial capaz de controlar humanos não pode ser algo tão fácil de derrotar assim.
E aí a Clarke munida da Alie 2.0 entrou na Cidade da Luz. Como eu disse lá em cima, ela foi a última Heda e assim fechou um ciclo: Becca trouxe a Alie 2.0 lá da estação espacial e começou a mitologia das Hedas e Clarke veio do céu para colocar fim a essa mitologia. Até porque a Luna é a única Nightblood (pessoas que podem receber o chip da Alie 2.0 sem morrer) que não morreu, pelos cálculos dos Sky People, e ela deixou bem claro que não quer assumir o posto. Ou ela muda de ideia e assume ou aparece mais um nightblood ou a mitologia acaba com a Clarke sendo a última Heda (o que faz mais sentido).
Não posso deixar de expressar minha empolgação quando ela entrou na Cidade da Luz porque, é bem importante frisar, tudo aquilo era um código de computador. Apenas isso. Nada daquilo existiu na vida real, foi tudo digital. Prédios, pessoas, paisagens, tudo era apenas um conjunto de “1” e “0”, como se a Clarke estivesse em um grande jogo de realidade virtual. Enquanto muitos pensam em Matrix para descrever a Cidade da Luz, eu penso no Gride de Tron. Isso porque as pessoas ali eram tratadas como programas de computador ao invés de apenas uma simulação. Clarke, ao ser reconhecida, foi vista como um vírus e todos acabaram por desempenhar o papel de “anti-vírus”. A Lexa, na realidade, era uma proteção extra que o chip da Alie 2.0 fez para proteger o vírus na Cidade da Luz. Por Alie 2.0 ser um melhoramento da Alie, ela sabia exatamente o ponto que Clarke devia ir e por isso mandou sinais, que na realidade foram comandos mostrando a localização.
É chegada a hora de falar sobre uma das melhores cenas, para mim, da série: a conversa da Clarke, Alie e Becca, que é na realidade a mente digitalizada de Becca no chip da Alie 2.0. Primeiro que eu sabia que nesse episódio teria exatamente esse plot twist e de alguma forma a Cidade da Luz seria indispensável para a sobrevivência dos seres humanos. Mais uma vez, porém, eu fiquei muito surpreso deles terem realmente feito isso, só que poderiam ter feito de uma forma diferente. Alie, no final das contas, poderia ser boa e ter a melhor das intenções colocando todos na Cidade da Luz, mas não foi isso que vimos.
No estudo sobre a ética, há a chamada teoria ética da responsabilidade. Ela diz o seguinte: com base em uma situação e nas possíveis ações de serem tomadas para minimizar essa situação, a pessoa deve escolher a ação que possivelmente trará o bem maior, mesmo que para isso tenha que fazer algo que não esteja de acordo com as "regras pré-estabelecidas", o que seria o mal menor. Um exemplo seria virar um carro desgovernado para matar apenas uma pessoa (mal menor), mas evitar que cinco sejam mortas (bem maior), caso não fizesse nada. Podemos aplicar exatamente isso em Alie, que tem em sua definição a “Perverse Instantiation” ou “Instanciação Perversa”, em tradução livre. Ela define o termo como a implementação de uma meta final benigna através de meios prejudiciais não previstos por um programador humano. Ao tentar resolver o problema da superpopulação, ela matou 6,5 bilhões de pessoas (mal menor, no julgamento dela) para poder salvar a humanidade (bem maior). Com o mesmo princípio, quis colocar todo mundo dentro da Cidade da Luz, mesmo que por tortura (mal menor) para que pudesse salvar a humanidade do fim iminente (bem maior).
Eu não consigo descrever o quanto isso é, com o perdão da palavra, f*da, ainda mais para uma série que é julgada por ser “teen”. Isso é muito mais que entretenimento. Isso nos leva a pensar e nos coloca no lugar de Clarke. A decisão dela, para alguns, pode ter sido fácil e muitos devem até ter gritado para a Clarke puxar aquela alavanca logo de uma vez. Até porque a Alie foi uma vilã muito bem construída. Porém, a decisão que ela tomou naquela hora, talvez, tenha sido a maior decisão da vida dela. Ela poderia escolher ficar em um lugar sem guerra, sem morte, sem violência, sem lembranças infelizes, com muita paz, felicidade e viver eternamente assim, ou pelo menos achar que está vivendo porque na realidade seria apenas estar em uma realidade virtual. Ou ela poderia escolher acabar com aquele mundo que é a única forma deles “sobreviverem” e voltar para o mundo real onde é matar ou morrer, onde ela tem que tomar decisões, onde ela literalmente mata um leão por dia, ou quase.
A grande questão é a humanidade. Escolher a Cidade da Luz seria morrer, não há dúvidas. O coração ia continuar pulsando, o cérebro continuaria vivo, mas, na realidade, o corpo seria apenas um case para um programa digital que estaria feliz. Isso não seria uma vida. Seria como se você ficasse o resto da sua existência em um Facebook onde todo mundo é feliz e só posta coisas felizes. Escolher a Terra, por outro lado, é ter apenas seis meses de humanidade e tudo de ruim que vem no pacote: violência, dor, tristeza e tudo o que há de mau no mundo. O pior de tudo é que a Clarke não escolheu só por ela, ela escolheu por toda a humanidade e isso é muito forte. Ao meu ver, ela tomou a decisão certa, já que ela escolheu lutar por seis meses ao invés de aceitar a derrota agora e matar todo mundo. Só que, ao mesmo tempo, as chances de todos parecem tão mínimas que talvez fosse melhor livrar todos da dor agora, do que conceder mais seis meses de sofrimento para eles morrerem de forma dolorosa. Gostaria que você que está lendo comentasse o que você faria no lugar dela aqui embaixo.
Por tudo isso que disse nessa análise, eu acho essa série é uma das mais geniais, no quesito humano, das séries que eu assisto. Ela trata sobre política, sobre sobrevivência, sobre humanidade, moral e ética de uma forma rica e intensa nos levando a pensar em várias situações. Os personagens fogem tanto da idealização de bem e mal que nos aproximam deles. Até por isso, talvez, a morte da Lexa gerou tanta repercussão mundo à fora. Além de ser uma série super representativa no quesito étnico e sexual, ela abre mão de todos os esteriótipos e cria personagens com propósitos e não somente para fazer número ou pagar imagem de diversidade na TV. Ela mostra verdadeiramente que as pessoas são muito mais do que negros, brancos, asiáticos, héterossexuais, homossexuais ou bissexuais e que essas características não as definem. Pena que na vida real isso seja, para a grande maioria, tão ficção quanto inteligência artificial.
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