sexta-feira, 17 de junho de 2016

Mr. Robot

É difícil falar sobre Mr. Robot. Sim, começo esse texto sendo bem sincero: qualquer coisa que você irá ler aqui será muito pouco perto do que a série é de verdade, mas eu prometo tentar. Como é imprescindível falar aprofundadamente sobre o roteiro dela, vou dividir esse texto em duas partes: na primeira, uma crítica sem spoiler e na segunda, uma análise focada na trama e com spoiler. Com isso, quem ainda não viu pode arranjar razões para ver NUNCA TE PEDI NADA e, para quem viu, posso mostrar a minha visão sobre a história.
Além do Hacktivismo - Crítica Sem Spoiler
Sinopse: Elliot (Rami Malek) é um jovem programador que trabalha como engenheiro de segurança virtual durante o dia, e como hacker vigilante durante a noite. Elliot se vê numa encruzilhada quando o líder (Christian Slater) de um misterioso grupo de hacker o recruta para destruir a firma que ele é pago para proteger. Motivado pelas suas crenças pessoais, ele luta para resistir à chance de destruir os CEOs da multinacional que ele acredita estarem controlando - e destruindo - o mundo.
Quem olha a sinopse pode achar que sabe como é a mecânica da série. Tem um salvador hacker que sai hackeando os caras maus da maior multinacional do mundo. Pois é, eu pensei mais ou menos isso antes de assistir o Piloto da série e, felizmente, caí da cadeira. Há muito mais que computação na trama de Elliot, e isso dá para perceber em poucos minutos do primeiro episódio. Vai além de hacktivismo (ativismo hacker que está em voga na cultura pop já tem um tempo). A temática, na realidade, está mais para um easter egg ou para um envelope bonito que levantará o interesse dos telespectadores, ainda mais que vivemos em uma época em que tecnologia é o assunto do momento. Mr. Robot, no fundo, fala sobre a nossa sociedade moderna e nos faz pensar para onde vamos.
Esse, pra mim, é o grande trunfo da série: misturar um assunto mais voltado para sociologia/filosofia com a lógica computacional. Não que isso seja exatamente novidade. Eu, pelo menos, enxergo a área tecnológica cada vez mais voltada para o humano do que para o eletrônico, mas não cabe aqui discutir sobre isso. O fato é que Mr. Robot desperta o interesse tanto pela vertente exatas, quanto pela humanas e esse, talvez, seja o principal fator do enorme sucesso que a série teve no ano de estreia. Não à toa, ganhou os prêmios de Melhor Série Dramática e Melhor Ator Coadjuvante (Christian Slater) no último Globo de Ouro. Para mim, sem sombra de dúvida foi a melhor série de 2015.
Somada a uma trama inteligente, há uma produção que aproxima o telespectador do real. É como se você realmente estivesse na cabeça do personagem principal, assistindo as tramas de camarote em um mundo mais verossímil do que nós conseguimos enxergar andando nas ruas. Como a história é sobre quebra de paradigmas e libertação da sociedade, a direção dança conforme a música e posiciona a câmara em ângulos que não estamos acostumados a ver na maioria das produções. Funciona perfeitamente porque gera desconforto, além de contribuir ainda mais para o clima cult que a série tem. Falando em música, a trilha sonora é outro ponto forte e se permite entoar desde instrumentais eletrônicos, que eram de se esperar pelo gênero, até clássicos famosos, que mostra mais uma quebra de expectativa. Destaque para a música do finalzinho do Piloto que fez meu queixo ficar no chão até os créditos. A produção realmente se empenhou para construir com o roteiro algo único.
Christian Slater pode ter ganhado, merecidamente, o Globo de Ouro de ator coadjuvante, mas quem rouba mesmo a cena é Rami Malek. Ele se entrega tanto ao Elliot que eu não consigo desvinculá-lo do personagem. É algo tão natural que fica difícil de pensar que ele está atuando. Um outro ator que merece atenção é Martin Wallström com um Tyrell Wellick à la psicopata americano. Ele consegue demonstrar os sentimentos do personagem até mesmo com um sorriso falso. Carly Chaikin é intensa e faz uma Darlene destemida. É outra que passa firmeza com o olhar. Há tantos atores bons na série que não dá para falar de todos, infelizmente. Por isso, citei esses três que mais me chamaram atenção.
Bem, se até aqui eu não te convenci a assistir Mr. Robot, me perdoe e vá assistir ao Piloto. Acho que vale a pena, ao menos, dar uma chance para a série. Agora, por que eu estou nessa campanha louca por Mr. Robot? Estou sendo patrocinado pela produção da série? Quem dera. A série é realmente excelente e eu acho que todo mundo deve ver? SIM. Só que, mais do que isso, a segunda temporada estreia dia 13 de Julho nos EUA e, aqui no blog, eu farei review de cada episódio. Então, você tem praticamente um mês para assistir a dez episódios -  sim, a série é super curta - e acompanhar comigo a segunda temporada da série. Proposta irrecusável, não é? Ah, e depois de ver a temporada toda, volta aqui no texto e leia a segunda parte com a minha análise.
He110 (d4rkne55 my 01d) fri3nd - Contém Spoiler
Alguém anotou a placa dessa série que me atropelou sem dó nem piedade? Provavelmente não porque foi todo mundo atropelado junto, rs. Bem, se você leu a crítica que eu fiz acima, o ponto principal do roteiro, para mim, é falar sobre a sociedade e mais especificamente sobre as pessoas. Para quem não sabe, eu curso Engenharia de Computação, então lógico que a parte sobre tecnologia da informação me ganhou também, mas a série foca tanto nas questões de Elliot e das pessoas próximas dele que isso acabou por me ganhar completamente. Talvez o fato dele quebrar a quarta parede e falar diretamente com a gente, nos aproxime dele, faça sentir as emoções que sente. Eu, especificamente, criei um vínculo muito grande com o personagem porque eu me enxergo nele.
Agora calma. Isso quer dizer que eu sou um hacker? Nem em sonho, até porque não gostaria de ser um. Isso quer dizer que me drogo? Se você considerar chocolate como uma droga, então sim. Isso quer dizer que a minha vida é tão miserável quanto a dele? Ainda bem que não. Porém, há uma identificação. Uma das coisas que mais me marcaram no Piloto foi toda a construção dele. Um cara com sérios problemas de relacionamento interpessoal, que não consegue nem ir na festa da melhor amiga porque tem uma certa fobia a pessoas desconhecidas. Sim, eu já passei por isso e já sofri bastante por não ter amigos. Por isso, a série me chamou mais atenção do que provavelmente chamou a atenção de alguém normal. Não tenho vergonha de dizer que me emocionei bastante com o Elliot no Piloto, por mais que eu me considere um coração de pedra. A série retrata a solidão de uma forma realista e super clara, algo que transborda da tela. Tocar If you go away de Neil Diamond (uma versão americana do clássico francês Ne me quitte pas) foi algo tão único que nunca me esquecerei daquela cena.
Mais interessante do que Elliot em si, é como ele está inserido na sociedade e como ele, de certa forma, acabou sendo o que é por causa da sociedade. Mesmo que, a questão da internet e redes sociais estar afastando as pessoas mais do que as aproximando ser algo muito explorado, em Mr. Robot ela atinge um outro nível. Elliot passou vários traumas na vida e todos esses traumas acabaram construindo quem ele é. A solidão dele, na minha visão, tem duas perspectivas: proteção e fraqueza. Ele se isola para se proteger das pessoas porque sabe como elas são e tem medo delas o machucarem de novo, mas, ao mesmo tempo, a solidão acaba com ele porque o faz se sentir um lixo, alguém desprezado e que não tem ninguém com quem contar. A sociedade acabou moldando ele. Os problemas que ele tem foram ocasionados por ela. Ao mesmo tempo, a própria sociedade o ataca constantemente já que ela diz que “é impossível ser feliz sozinho” e que se uma pessoa não tem amigos, ela é uma fracassada na vida. Isso o corrói e o leva a praticar sua maior habilidade: hackear pessoas.
Se lembra que eu disse ali em cima que eu não queria ser hacker (algo bem popular atualmente)? Então, eu não gostaria de ser um hacker porque a vida das pessoas está online. Uma pessoa com a habilidade de ler tudo o que outra faz online, está na realidade lendo a própria pessoa, na minha opinião. Como não acho certo que alguém possua tamanho poder, nunca considerei me colocar nessa situação, até porque, se eu prezo pela minha privacidade, eu tenho que prezar pela privacidade de todos. Ao hackear as pessoas, Elliot, de certa forma cria um vínculo com elas, mesmo que seja um vínculo que só exista na cabeça dele. Assim, ele consegue o melhor dos dois mundos: conhecer pessoas e não permitir que elas o conheçam. A vida virtual entra nessa questão porque eu acho que a maioria das pessoas se soltam mais online. Elas conseguem se comunicar melhor ou expressar ideias que, pessoalmente, talvez, não tenham coragem. Só que Elliot domina tanto esse mundo que ele pode se dar ao luxo de não se expor e mesmo assim conseguir “socializar”.
Mesmo com todas essas questões, ele é inteligente e consegue enxergar a sociedade de uma forma precisa. Ele entende que a sociedade está doente e que muita coisa precisa ser repensada. É aí que ele cria o Mr. Robot, como a figura do pai dele, para ser o líder da revolução e atacar a empresa que literalmente toma conta do mundo no ponto que é mais presado: o dinheiro. Afinal, não é como diz o ditado. O dinheiro nunca é solução, mas sim o problema. O dinheiro só é solução para aquela pequena porcentagem de pessoas no mundo que possuem bastante. Pro resto, só causa problemas, dependência e aprisionamento. Quando eu penso em E Corp, tem tanta empresa que vem na minha mente…
Não estou dizendo aqui que sou anarquista ou comunista, nem nada desse tipo, mas eu sempre achei que o capitalismo tem problemas sérios e graves, mas que não são pensados. Acho inevitável qualquer forma de sociedade ter problemas porque ela é formada por seres humanos e está para nascer uma espécie tão problemática quanto nós. A série provoca essa discussão, na minha visão, sadia sobre o nosso conformismo frente à realidade. Em 2015, por exemplo, um levantamento apontou que 1% da população mundial concentra metade do dinheiro do mundo todo. Não acho que isso seja algo normal e acho bem corajoso da parte da produção levantar essa bola da desigualdade econômica.
Aliás, a questão da solidão pode estar ligada ao individualismo cada vez mais forte no capitalismo. O próprio Elliot diz que a relação que nós temos com o resto dos seres humanos atualmente é confusa porque nós contamos e esperamos o erro do outro para jogá-lo contra a pessoa. Vivemos em uma competição onde o erro dos outros nos beneficia. Esse talvez seja o maior problema da sociedade hipócrita em que vivemos. Ao mesmo tempo em que estamos nos relacionando socialmente com alguém, estamos competindo por uma vaga. Seja na universidade, seja na empresa, somos colocados como inimigos ao invés de existir uma relação mútua de querer ver o outro crescer para todos crescerem junto.
Esse é o principal motivador para a criação de um Tyrell Wellick da vida. Uma pessoa ambígua que age por interesse de acordo com a maré. Alguém capaz de atrocidades para chegar aonde quer chegar. Tudo isso vem da premissa de que o sucesso não chega para todos, mas sim para muito poucos. Então, ou você se esforça muito ou terão milhares que vão passar na sua frente e você será apenas mais um. Por isso, a dinâmica do Tyrell na série é muito interessante. No começo, ele é uma oposição clara ao Elliot porque ele quer poder, enquanto a FSociety quer acabar exatamente com a fonte de poder. Quando ele vê que o jogo acabou para ele e não tem mais como conseguir o que queria, ele decide que se ele não vai ter o poder, então ninguém mais terá.
Outra questão bem interessante é o fato de Elliot trabalhar na Allsafe, que cuida da segurança virtual da E Corp. Isso só mostra que estamos tão enraizados no sistema que por mais que sejamos contra várias práticas, de alguma forma, estamos contribuindo para que ele continue firme e forte. Ao longo da vida, estudamos matérias que não gostamos para nos formarmos e sermos aceitos em um emprego que na maioria das vezes não gostamos e tudo isso porque somos dependentes do sistema. Enquanto isso, nesse exato momento pode estar nascendo uma criança que não precisará se esforçar tanto quanto nós e poderá gastar em um dia mais dinheiro do que nós poderemos ter na vida. Nós reforçamos esse sistema porque não somos capazes de impedir que sejamos explorados pelos nossos chefes, já que se todo mundo resolvesse fazer greve, ninguém teria dinheiro suficiente para pagar as dívidas e morreria. É nesse ponto que a FSociety atua. Ela simplesmente livra todo mundo das dívidas e acaba com a desigualdade econômica.
Ao jogar várias verdades na nossa cara de maneira super lúcida, Mr. Robot deixa de ser apenas um entretenimento e passa a ser uma crítica forte. A série poderia ser comparada a grandes distopias, se não fosse um mínimo detalhe: ela é real e está acontecendo agora. Não é um futuro caótico e hiperbólico. É o nosso presente. Por isso, ela não é um passatempo ou distração. Ela é uma necessidade. É como se todo dia tomássemos a pílula azul de Matrix, e assim vivêssemos dentro dessa bolha alienante que a nossa sociedade nos impõe. Mr. Robot é a pílula vermelha. Através dela, podemos pensar sobre um mundo caótico, que existe por trás das propagandas e interações sociais. Somos capazes de enxergar o mundo real.
OBS1: Eu farei review de todos os episódios da segunda temporada de Mr. Robot, então se você quiser acompanhar a série comigo, curta a página do blog no facebook clicando aqui para ficar sabendo quando a review sair. Lembrete: a segunda temporada estreia dia 13 de Julho nos EUA.
OBS2: Se você chegou no blog através dessa coluna e quer saber mais sobre esse espaço, leia a minha primeira coluna explicando o blog clicando aqui.
E você, o que achou da série? E da crítica?
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